terça-feira, 30 de março de 2010

Solange:

"Berre à vontade! pode até lançar seu grito derradeiro, Madame! Enfim! Madame está morta! Estendida no linólio... Estrangulada pelas luvas de lavar panelas. Madame pode permanecer sentada! Madame pode me chamar de senhorita Solange! Justamente. É por causa do que eu fiz. Madame, o doutor me chamará Senhorita Solange Lemercier... Madame devia ter tirado o vestido preto, é grotesco. Eis-me aqui reduzida, por luto a minha criada. A saída do cemitério, todos os empregados do bairro desfilavam diante de mim como se eu fosse alguém da família. Tantas vezes fiz de conta que ela pertencia à família. Vai ver que a morte levou esse gracejo até as últimas conseqüências. Oh! Madame, sou sua igual Madame, e ando de cabeça erguida... Não, senhor inspetor, não... o senhor não saberá nada sobre o meu trabalho. Nada sobre o nosso trabalho em comum. Nada sobre a nossa colaboração para esse assassinato... Os vestidos? Oh! Madame pode guardá-los. Minha irmã e eu tínhamos os nossos. Aqueles que vestíamos a noite, escondida. Agora tenho meu vestido e sou sua igual. Estou com a toalete vermelha das criminosas. Faço rir o doutor? Faço o doutor sorrir? Ele pensa que as criadas devem ter bom gosto de não fazerem festos que estão reservados à Madame! Verdade que me perdoa? É a bondade em pessoa. Que competir comigo em grandeza. Mas a que eu conquistar é a mais selvagem... Madame começa a perceber minha solidão! Finalmente! Agora estou sozinha, medonha. Podia lhe falar com crueldade, mas posso ser boa. Seu medo vai passar, Madame. Vai passar completamente. No meio das suas flores, seus perfumes, seus vestidos. Aquele vestido branco que a senhora usava à noite no baile de ópera, aquele vestido branco que eu não deixo ela vestir nunca. E no meio das suas jóias dos seus amantes. Quanto a mim, tenho, minha irmã. Sim, ouso falar nela. Ouso, Madame. posso ousar tudo. E quem poderia me fazer falar? Quem teria a coragem de me dizer: "minha filha"? Eu servi. Fiz os gestos que são necessarios para servir. Sorri para Madame. Me abaixei para lavar os ladrilhos, me abaixei para fazer a cama, me abaixei para descascar legumes, para escutar atrás das portas, colar meu olho nas fechaduras. Mas agora estou de pé. E fimer. Sou a estranguladora. A senhorita Solange, aquela que estrangulou a irmã! Me calar! Madame é mesmo delicada. Mas tenho pena da brancura da Madame, da sua pele acetinada, das suas orelhinhas, dos seus pulsinhos... Eu sou a falinha petra, tenho os meus juízes. Sou da polícia... Claire? Ela gostava muito, muito mesmo da Madame! ... Não senhor inspetor, diante deles não explico nada. Essas coisas só interessam a nós... Aquilo, minha filha, a nossa noites, nossa! Nem vocês nem ninguém vai saber nada, senão que desta vez Solagen foi até o fim. Vocês a estão vendo vestida de vermelho. Ela vai sair. Sair. Descer a grande escadaria! A polícia a acompanha. Saiam à sacada para vê-la seguir entre os negros penitentes. É meio-dia. E, assim, leva na mão uma tocha de nove libras. Logo atrás, o carrasco segreda-lhe ao ouvido palavras de amor. O carrasco me acompanha, Claire! Ela será reduzida em cortejo pos todas as criadas do bairro, por todos os demésticos que acompanharam Claire à sua última morada. Levam coroas, flores, bandeirolas, tocam o dobre de finados. O enterro desdobra sua pompa. Lindo, não. Vêm primeiro os mordomos, de fraque, sem forro de seda. Trazem suas coroas. Depois os criados de libré, os lacaios de culote curto e mais brancas. Trazem as nossas cores. Vêm os porteiros e vêm ainda as delegações do céu. E eu as conduzo. O carrasco me embala. Todos clamam. Estou pálida e vou morrer! Quantas flores! Deram-lhe um lindo enterro, não. Oh! Claire, minha pobrezinha Claire! Não adianta, Madame, obedeço à polícia. Só ela me compreende. Ela também é do mundo dos réprobos. Agora somos a senhorita Solange Lemercier. A mulher Lemercier. A Lemercier. A célebre criminosa. Claire, nós estmos peridas."

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